O ódio ao mal é amor do bem, e a ira contra o mal, entusiasmo divino. Nem toda ira, pois, é maldade, porque a ira, se as mais das vezes rebenta agressiva e daninha, muitas outras, oportuna e necessária constitui o específico da cura. Quando um braveja contra o bem, que não entende, é ódio iroso. Quando verbera o escândalo, a brutalidade ou o orgulho, não é agrestia rude, mas exaltação virtuosa; não é soberba, que explode, mas indignação, que ilumina; não é raiva desaçaimada, mas cor-reção fraterna. Então, não somente não peca o que se irar, mas pecará não se irando. Cólera será, mas cólera da mansuetude, cólera da justiça, cólera que reflete a de Deus. Essas faúlhas da substância divina atravessam o púlpito, a cátedra, a tribuna, o rostro, a imprensa, quando se debatem, ante o país ou o mundo, as grandes causas humanas, as grandes causas nacionais, as grandes causas populares, as grandes causas sociais, as grandes causas da consciência religiosa. Então a palavra se eletriza, brame, lampeja, atroa e fulmina. É a hora das responsabilidades, a hora da conta e do castigo, a hora das imprecações, quando a voz do homem reboa como canhão e as siderações da verdade revolvem o chão coberto de vítimas e destroços incruentos. Eis aí a cólera santa, eis aí a ira divina! Quem, senão ela, há de expulsar do templo o renegado? Quem, senão ela, expulsar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? Quem, senão ela, banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? Quem, senão ela, varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o ladrão público? Quem, senão ela, precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, a tirania?

rui barbosa

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