Diça-se que alguém é louco; e uma infinidade de desconfianças desperta. A nossa incapacidade para julgar leva-nos a nos pormos de sobreaviso contra as palavras e atitudes do suposto enfermo; analisamos com malícia tudo quanto anteriormente ele fez; prestamos atenção maior aos seus gestos e às suas palavras; trocamos olhares com os outros observadores; e, quando não chegarmos a uma certeza absoluta, pelo menos ficaremos nessa imprecisa zona das desconfianças, oscilando, e dispostos a aceitar, sob qualquer hipótese aventada. Se se trata de um homem público, cujos atos nem sempre podem ser explicados por miúdo ao povo; ou de um filósofo, cujas elucubrações ultrapassam as medianias; ou de um orador, que precisa jogar com figuras verbais, analogias, hipérboles; ou de um cientista, que fala de teorias ou de invenções desconhecidas; ou de um santo, que se exprime numa linguagem distante das mesquinhas preocupações vulgares, então o diagnóstico é mais fácil, mais aceitável,, porque encontra farto material de palavras ou frases equívocas, aparentemente obscuras, ou de pensamentos ousados, com que se estruturam levianamente bases de sintomatologia subsidiária do quadro clinico.
plinio salgado
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