A paixão da verdade semelha, por vezes, às cachoeiras das serras. Aqueles borbotões de água, que rebentam e espadanam, marulhando, eram, pouco atrás, o regato que serpeia, cantando, pela encosta, e vão ser, daí a pouco, o fio de prata que se desdobra, sussurrando, na esplanada. Corria murmuroso e descuidado; encontrou o obstáculo; cresceu, afrontou-o, envolveu-o, cobriu-o e, afinal, o transpõe desfazendo-se em pedaços de cristal e flocos de espuma. A convicção do bem, quando contrariada do erro-, do sofisma ou do crime, é como essas catadupas da montanha. Vinha deslizando quando topou na barreira, que se lhe atravessa no caminho. Então remoinhou arrebatada, ferveu, avultando, empinou-se e agora brame na voz do orador, arrebata-lhe em rajadas a palavra, sacode, estremece a tribuna e despenha-se-lhe em torno, borbulhando. Mas o que ela contém, e a impele, e a revolta, não é a cólera, não é a destruição, não é a maldade; é o poder do pensamento, a vibração da fé, a energia motriz das almas, esse fluido impalpável que se transporta nas ondas invisíveis do ambiente e vai, por outras regiões, arder nos espíritos, fulgurar nas trevas humanas, abalar vontades, agitar indivíduos e povos, reanimados ao seu contacto.
rui barbosa